Compatibilidade incompatível

Posted in Outras nuances., Poemas. on 29/12/2011 by nuancesazuis

Três horas da madrugada, você deve estar na sala.
Mudo. Silêncio de objetos de vidro postos sobre o centro. 
Vidrados os olhos em imagens-fotografias 
De um passado que poderia ter sido 
E de um presente que lento se desfia…

Intocáveis, nenhum objeto cai, nada quebra 
Em barulho que possa simular um grito – Desordem
Desenfreada de carne e sentido.

Três horas da madrugada, também estou na sala.
Muda. Silêncio de leoas adormecidas.
A boca dormente de tentar tecer juízos para uma razão que se fia,
Por esperar no futuro esvair esse desejo que o corpo guarda por dentro,
Ou por alguém que espera ver quebrados os objetos de vidro sobre o centro.

Imagem: Edward Hopper. 

Delírio II

Posted in Outras nuances., Poemas. on 10/04/2011 by nuancesazuis

Cai a cortina para além dos sonhos.
Sigo em alerta por trilhos sonâmbulos, acordada,
Mas ainda dura a sensação do sono…

É que a paz fulgurou branca de fora para dentro
Do meu corpo. E com um brando movimento,
Inundou meus sentidos de acalento!

Existe um jardim bem perto onde vaga a loucura,
Meus pés andam pelo lodo espertos,
Seguindo estranhas criaturas…

Fizeram algazarra, gritos de júbilo!
Anunciando que no jardim chegado mora a cura.
Atônita, não entendia: Nesse mesmo jardim vaga a loucura!

Pisei, não imune, em espinhos muito amargos,
Tive visões ilustres:
Vi fadas sussurrando no ouvido dos magos!

Eis que cobiçei uma delas
E colhi o mais belo lírio,
Para entregar-lhe no lusco-fusco…

Pequena tentação, agradeceu-me com um beijo distante.
Logo tingiu-se de negro o meu semblante:
Minha noite de delírios escuros!

Vi a velhice degenerativa do tempo,
Arqueando a natureza vistosa.
Vi tragédias e monumentos!

Mas já vem chegando  a alvorada,
Minhas visões mudam como crianças ávidas,
Sinto-me surpresa como na chegada…

Uma neblina incandescente derrama lenta
Sobre a atmosfera serenada de inverno.
Atrás do jardim, ergue-se um rio fluente!

Lavo a cabeça por estas águas sagradas,
As flores brilham sobre a grama,
Onde insetos fantásticos riscam versos de esmeralda.

Cordas de teias, percussão de troncos, sopros de pássaros.
Tudo vibra em instrumentos e dá-se início o concerto
A ritmar todas as cenas e minha direção…

E à procura do mar de ou(t)ro iluminado,
Meus olhos viajam feito nômades
Pelas veredas da imaginação.

Ilustração por  Olaf Hajek.

Ess Muss Sein!

Posted in Outras nuances., Poemas. on 20/02/2011 by nuancesazuis

Marrom de antigos sonhos,
Pássaro que voa por lugares recônditos
A traçar com suas asas enigmas.

Pássaro marrom de toda pureza e toda lama,
Recolhe em seu bico jasmins e urtigas para quem o ama.
Oferece memória e esquecimento.

Olhos de procura,
De tanto voar por sonhos remotos,
Cai no abismo inconsciente

[ some

E no alto dos pensamentos insones,
Resta a invasão navalha de seu canto,
Fatal e preciso: Muss ess sein? Ess muss sein!¹

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¹Tradução:  Tem de ser?  tem de ser!

Pintura por Salvador Dalí.

A tantas ando.

Posted in Outras nuances., Poemas. on 08/02/2011 by nuancesazuis

Que me venham fazer companhia a noite, o breu,
A tempestade, os tons de cinza, o frio…
Todo o clichê que a poesia reclama.

Nenhuma imprevisibilidade ofereço.
Nenhuma imprevisibilidade me aguarda.

Sinto-me tão sozinha que o cair de um alfinete no chão
Pode estremecer a minha alma!

 

Imagem por Modigliani.

Rastros

Posted in Outras nuances., Poemas. on 05/09/2010 by nuancesazuis

Te encontro em todos os lugares. Todos os lugares onde teus dedos (não) tocaram, tuas mãos passaram, onde tocas e até onde teus pés nunca ousar(i)am pisar. É como se você fosse um fractal do mundo,  ao menos te repetes em todos os cantos que passei e hei de passar: todas as praças comuns, as pessoas indiferentes, as bocas ofertadas, as inúmeras calçadas…
Todos os lugares me aproximam mais de ti do que quando eu me sento ao teu lado e esbarro no silêncio de teu corpo imóvel, isolado, indecifrável pra mim… talvez só pra mim!

Imagem por Edward Hopper.

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Posted in Outras nuances., Poemas. on 08/08/2010 by nuancesazuis


O silêncio que se faz duro feito aço.
A morte que espreita, o sentimento que some…
O filho que parte, o grito que irrompe alado.
O vazio que se instala sem embaraço,
O acaso que rompe…

Laçam-se nós intraduzíveis no espaço
E pontilhada de momentos figurados,
A rede do Universo acolhe este palácio:
Do amor; da ilusão; do cansaço.

Imagem: O terapeuta,  René Magritte.

O belo andante.

Posted in Outras nuances., Poemas. on 02/05/2010 by nuancesazuis

Sombras, luz e perfume nas tardes do parque.
Meu coração imerso no chão de flores,
Onde caminhas calmo, de passos sedutores
A aquecer o desejo que de mim faz parte!

Por seus pés meu coração é pisado.
No tapete de flores – o sangue coagulado
E o anseio abstrato que tua voz abrace meu corpo
E o teu olhar beije os meus lábios…

Mas pelo caminho o teu esboço some errante
E há tempos que é cinza a minha tarde,
E que me perco em tristes passantes,
Desnorteada pelo infinito da saudade.

Imagem por Claude Monet.

Delírio

Posted in Poemas. on 22/02/2010 by nuancesazuis

Foram esquecidos os múltiplos corações
Pulsando forte por motivos vãos,

Pois tenho o mundo concentrado em minhas mãos
E sinto de uma só vez todas as estações!

No meu cérebro brotou uma flora,
De cores vivas e perfumes anis.
Serei sempre jovem – que se passem as horas
No meu paladar perduram os gostos primaveris.

Sinto o veraneio curar as feridas do ofício,
Os meus olhos carregam sóis ainda mais quentes.
O vento seco que vinha soprar no solstício,
Vem constante trazer o ocaso a me tocar mais ardente!

Tomo o chá outonal que morno demora,
Aquecendo cânticos até o esôfago embalados.
Resplandece em meu estômago a aurora
Amarela e mansa – como antigos retratos  –

Vejo a beleza de campos nublados, e qual beijo gelado
O frio estala em minhas costas docemente;
É manhã de orvalho em minha pele e ando sossegado,
Com a tranquiliadade de quem dorme no ventre.

Eis-me!
No meu cérebro brotou uma flora

Os meus olhos carregam sóis ainda mais quentes
Resplandeceu em meu estômago a aurora,
Com a tranquilidade de quem dorme no ventre.

Compreendo o diverso em uma unidade
A claridade dos meus olhos enxerga com exatidão.
E com o mundo concentrado em minhas mãos,
Vou seguindo para a eternidade…

Pintura por Edward Munch.

O rosto alheio

Posted in Outras nuances., Poemas. on 22/11/2009 by nuancesazuis

A face que se mostra – singela e disposta-
Guarda vestígios reclusos em rugas e traços.
De repente, qual flagra de um inesperado refletor
Se apresenta em minha frente um rosto de horror!

Os olhos, de uma fome sem fim
Brilham com desespero devorador,
O nariz degenerando-se em excreções vis
E a boca torta por palavras mal compostas…

Foi uma pausa. Um lapso. Deslize…
__ Conceda mais um instante, o apagar do refletor:
De repente, pisque os olhos novamente
E é desfeito o embaraço!

A face que se mostra – singela e disposta-
Sorri, e traz as bochechas decoradas com carmim.

Imagem por Francis Bacon.

Miopia do real, cegueira dos sonhos.

Posted in Outras nuances., Poemas. on 20/09/2009 by nuancesazuis

magritte7Prefiro olhar no céu as nuvens cinzentas
Nos dias em que o céu cinza se apresenta
E caminhar por terras quentes,
Ensolarando minhas visões e pensamentos.
Se não alcanço a nitidez nesse momento
Os meus olhos precisam de lentes!

A fantasia se projeta em espelhos
Espalhando-se pelo sangue em série
É preciso ter os olhos abertos, acesos
E observar do mundo suas intempéries
Pois nos olhos cerrados  –  no céu das pálpebras
Só restará o escuro da cortina de pele presente…

Nenhum sonho registrado em mente.

Imagem por René Magritte.